sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

CONCLUSÕES FINAIS

HUGO SIQUEIRA

Estamos em vias de incorrermos nos mesmos erros cometido nas décadas finais do século quando acreditamos demais no planejamento. Perdemos duplamente por não utilizarmos termoelétricas quando o petróleo estava barato (cinco dólares o barril). Em seguida pela tendência do planejamento energético ter sido concentrado em projetos de suprimento de energia em larga escala, especialmente as grandes usinas hidroelétricas de pequena altura e grandes vazões, que é o caso de Itaipu, Ilha Solteira, Jupiá, etc., consideradas, não sem motivo, “obras faraônicas”. A excessiva motorização de todas as usinas foi motivo de muitas críticas por não obedecerem a critério mais econômico do ponto de vista da capacidade instalada, isto é, quase todas as usinas concorrem de maneira proporcional no atendimento da demanda máxima do mercado. Seus fatores de capacidade são muito próximos, entre 0.4 e 0.55, que corresponde aproximadamente ao fator de carga do mercado de 0,55. Outro erro foi a não inclusão de termoelétricas nas fases intermediárias do sistema, o que permitiria melhor utilização das usinas hidroelétricas. Grandes usinas foram construídas para ficarem paradas, sem benefício algum: paradas ou não, os juros continuavam incorrendo (ver “Problemas de Investimento na Produção Energética”, 1975, do autor). A persistência em um sistema puramente hidroelétrico tornou o sistema elétrico excessivamente caro em termos de custo fixo. As conseqüências foram o elevado endividamento externo, submetido a políticas de juros variáveis durante o período Reagan (27% ao ano). Agora, é ao contrário: são nossas reservas que correm perigo.

Como os picos de demanda não são constantes ao longo do tempo (dia, mês, ano decênios) e não coincidem com os máximos de vazão dos rios, que naturalmente decorrem de fenômenos climáticos imprevisíveis e probabilísticos, o critério adotado ao projetar cada usina, para ter o máximo de confiabilidade, foi o seguinte:
Ao longo do tempo em que foram registradas as razões médias dos diversos rios da região, foi constatada a ocorrência de um período de cinco anos seguidos excessivamente secos, entre os anos de 1953 e 1956, que foi chamado de “Período Critico”. O projeto de cada usina tomou por base a probabilidade de que um período semelhante viesse a acontecer no futuro. A energia que cada usina poderia fornecer nos curtos picos de demanda (energia durante intervalos de tempo pequenos) elas foram equipadas com geradores e linhas de transmissão capazes de funcionar neste curto período com a potencias dos picos de demanda. Geralmente a capacidade instalada na usina é cerca de duas vazes e meio maior do que a potência requerida continuamente.
Ora, se o sistema pudesse contar com usinas de reserva para serem acionadas nos períodos de pico, ou nas ocasiões de um período semelhante ao “período crítico” as usinas hidrelétricas poderiam ser mais bem dimensionadas. Como já tem capacidade instalada maior elas poderiam ser mais bem utilizadas para, por exemplo, não “verter” água. Pois bem: Se tivéssemos nos dado ao trabalho de registrar o que realmente aconteceu ao longo dos últimos 50 anos de funcionamento do sistema, chegaríamos a triste constatação de que a maioria das usinas “verteu” durante o pico. Águas em excesso que não passaram pelas turbinas, simplesmente porque não ocorreu o “período critico”. Enorme quantidade de energia não foi utilizada. Isso acontece por incompetência? Não: uma questão de critério apenas. Quantidades maiores de energia são perdidas todos os anos em quedas de águas não aproveitadas, sem que ninguém se dê conta disso. No presente, entretanto, os investimentos já estão feitos e as águas continuam rolando pelos vertedores nas noite, domingos, feriados e meses de pouca atividade econômica, tudo porque não existem termoelétricas para fornecer energia garantida nos períodos de seca prolongada (Problemas de investimento na Produção Energética, palestra no Instituto de Engenharia em maio de 1975, pelo autor).

Pode parecer inconsistente a sugestão de termoelétricas em lugar de hidroelétricas para compor o quadro energético brasileiro no momento, diante da extrema competição atual por combustíveis, mas existem fortes razões que a justificam:
• Países industrializados e em desenvolvimento, obviamente, vão assumir atitudes conservadoras diante da crise provocada por excesso de liquidez. O custo de capital é o fator predominante.
• Só em última instância os países industrializados investirão em usinas nucleares para atender suas necessidades de aquecimento. Rejeitada a princípio por questão de segurança, a opção nuclear se revelou muito mais cara do que pensado de inicio (cerca de 6000 dólares por quilowat instalado, segundo R. C. Leite, folha de 3/8/08). As propostas de suprimento de energia por termonucleares anunciadas pelo Ministério das Minas e Energia na mesma edição da folha de 3/8/2008 são no mínimo extemporâneas (ou indecorosas), tendo em vista que até os países industrializados estão postergando a utilização destas centrais para aquecimento (inimaginável) em face dos custos elevados, podendo chegar a 8000 dólares por kW instalado, no caso do único contrato fechado, Flórida Power, para a usina de Turkey Point, relatado por R.C.Cerqueira Leite. País industrializado vão continuar utilizando combustíveis no aquecimento de residências, que, a preços atuais do petróleo relativamente baixo, constitui solução muito mais barata. Aliás, ninguem acredita seriamente que o “petróleo vai acabar”, assim, de uma hora para outra, como sugerem alguns alarmistas: è muita presunção.
• É comumente aceito que o Brasil tem boas condições de suprimento de energia barata por ter potenciais inexplorados de hidroeletricidade, mas não é exatamente o caso dos potenciais da região amazônica. Em razão das condições geográficas, são potenciais de pequena altura e grandes vazões, semelhantes aos últimos aproveitamentos do Sudeste e Sul (Itaipu). As duas usinas licitadas, Jirau e Santo Antônio de 2700 dólares por kW instalado, quase metade do custo de usinas nucleares (ver tabela 6). São hidroelétricas tão caras que não justificam a pressa da construção. Mesmo não conhecendo os detalhes das obras citadas arriscamos um palpite: Como podem ser econômicas usinas com 44 turbinas? Certamente deverão ter quedas inferiores a vinte metros, como Jupiá, cujos geradores tem vinte metros de diâmetro. Economizam no tamanho dos geradores, mas gastam na quantidade. É uma ilusão pensar que fazem economia ao utilizar uma grande quantidade de geradores pequenos. São unidades lentíssimas. A usina de Belo Monte tem, certamente, uma queda pelos o dobro das usinas do Madeira e essa é a verdadeira razão de ser mais econômica.




Tabela 6 – Custos comparativos de usinas hidroelétricas.
Custos por usina kW instalado
US$ MW.Hora
R$
Santo Antônio e Jirau 2770 77
Média aproximada 2000 56
Belo Monte 1400 39
Termoelétrica 500 56/4 + combustível
Termonucleares 6000 56*3 + combustível
Os valores calculados não são exatos, apenas adivinhados, com taxa de juros de 6% ao ano e tempo de uso de 50% e US$ = 1.7 R$

• O custo da energia produzida por usinas hidroelétricas depende da taxa de juros praticada pelo mercado e do tempo de utilização da usina no sistema. Será tanto maior quanto maior a taxa de juros e quanto menor for o tempo de uso. Se for feita opção por hidroelétricas as usinas estarão sujeitas ao mesmo inconveniente do sistema elétrico atual, isto é: dependência exclusiva de usinas hidroelétricas. Ora, não faz sentido programar usinas hidroelétricas custosas para ficarem paradas, incorrendo juros de mercado elevados, pelas condições de escassez do presente que atravessamos. É muito mais adequado programar termoelétricas, cujo custo de capital corresponde a um quarto do custo de hidroelétricas, alem do que, se for para ficarem paradas 50% do tempo, nestas incorrerão custo de capital menor na mesma proporção.
• Em um sistema exclusivamente hidroelétrico, custosas usinas hidroelétricas são construídas para ficarem parcialmente paralisadas à noite, vertendo água, nos domingos e feriados ou meses de pouca atividade econômica. Ora, este é o modo mais fácil de esbanjar dinheiro. É equivalente a tomar dinheiro emprestado para guardar debaixo do colchão. O custo comparativo de suprimento de 60 Mil MW nas duas próximas décadas é apresentado na tabela 7.

Tabela 7 – Custos comparativos de suprimento de 60 mil MW
Alternativas US$ bilhões
Termonucleares 360
Hidroelétricas 150
Termoelétricas 50


• Não obstante as enormes vantagens oferecidas pelo sistema interligado, as condições geográficas predeterminam a operação do sistema, deixando pouca margem de manobra. A operação do sistema é condicionada pela liberação de água das duas usinas de regularização plurianual, situadas nas cabeceiras dos principais afluentes do rio Paraná (Rio Grande e Paranaíba). Quase todas as usinas concorrem de maneira proporcional, no atendimento da demanda máxima do mercado, bem como da energia a ser fornecida por cada usina. Como podemos observar na tabela 7, as usinas têm fatores de capacidade entre 0.34 e 0.5, próximos do fator de carga do sistema de 0.55, evidenciando a pouca flexibilidade do sistema elétrico. Esta condição torna o sistema oneroso do ponto de vista do custo de capital. As grandes usinas terminais (perto da foz) têm baixas quedas e grandes vazões, o que importa em custos elevados da energia fornecida por estas usinas. Por exemplo, os geradores de Ilha solteira (160 MW, 36 metros de queda) e Jupiá (100 MW, 20 metros de queda) têm ambos 20 metros de diâmetro externo. Conquanto tenham aproximadamente o mesmo custo total (vazões próximas), o custo por kW instalado é menor em Ilha Solteira, por ser mais veloz. É, portanto natural que Ilha Solteira tenha um fator de capacidade menor (mais motorizada). Comparando com os custos de Henry Borden, os mais baixos do mundo (117 dólares de 1975 por kW instalado), e cujos geradores têm apenas três metros de diâmetro e potencia nominal de 80 Mw, será que a economia obtida não seria muito maior ainda se os investimentos para a produção de demanda máxima tivessem se concentrada ali? E comparando com Furnas, Estreito, etc., que têm baixo “custo incremental” da capacidade instalada, será que os investimentos não teriam tido um destino diferente do atual? (Problemas de investimento na Produção Energética, palestra no Instituto de Engenharia em maio de 1975, pelo autor).

Tabela 7 – Parâmetros de usinas do Sistema Elétrico Brasileiro
USINA CAPACIDADE
INSTALADA
MW ENERGIA
FIRME
MW médios FATOR DE CAPACIDADE
Itumbiara 2080 698 0.34
São Simão 1000 861 --
Furnas 1240 486 0.39
Estreito 1110 395 0.36
Marimbondo 1400 546 0.39
Água Vermelha 1380 618 0.45
Ilha Solteira 1560 1204 0.47
Jupiá 1222 766 0.63
Capivara 640 259 0.40



• O extraordinário progresso da eletrônica e da informação gerou tamanhas expectativas, quanto ao progresso da ciência, que todos aguardam ansiosamente uma nova descoberta que venha a solucionar os problemas corriqueiros de energia, sem se dar conta que esta tecnologia, não obstante o inequívoco progresso, não tem poder para tanto. Os problemas de alimentação e aquecimento vão ter solução pela via tradicional da captação da energia do sol e aquela do interior da matéria (energia nuclear). A contribuição da nova tecnologia da biogenética seguirá a via tradicional de produção de novos combustíveis.
• Os principais fatores determinantes da escolha de alternativas são a taxa de juros que afetam o custo das hidroelétricas e o preço dos combustíveis que afetam o custo de termoelétricas. Taxas de juros tendem a crescer com a recessão previsível no atual quadro de incertezas e o preço dos combustíveis a diminuir com a o baixo nível de atividade econômica. Portanto, não é prudente fazer altos investimentos em hidroelétricas, uma vez que os mesmos serão substancialmente menores em termoelétricas. Então, é preferível gastar combustível barato no presente do que pagar juros elevados o tempo todo. Se a situação se inverter no futuro incerto, pelo menos não se imobilizará quantidade imensa de capital precioso no presente. O melhor procedimento é acompanhar os países industrializados que estão postergando investimentos em termonucleares para aquecimento. Os maiores gastos de combustível em termoelétricas incorrem no decorrer do tempo (se realmente se tornarem necessários). Quando o ambiente é incerto o melhor procedimento é deixar para o futuro maiores gastos de combustível em lugar de fixar prestações elevadas no presente. Os benefícios são aqueles apontados anteriormente, isto é, melhor utilização do sistema elétrico atual (potencialização de hidroelétricas) que será reforçado com as encomendas de termoelétricas a gás e combustível líquidos, devido à expansão inevitável das usinas de cogeração de cana e açúcar. Enfim, o sistema elétrico brasileiro está deixando a fase de predominância de hidroelétricas para se tornar um sistema hidrotérmico, uma consequência natural do futuro quando “toda forma de energia a ser gasta no futuro, passará, de uma forma ou de outra, pela queima de algum combustível”: hidroelétricas e termoelétricas se complementando para melhorar a performance do sistema como um todo. Traduzindo: térmicas utilizadas como forma de ter “energia garantida”, cujo maior custo de operação, pode ser economizado nos períodos de abundância de chuvas, quando substituídas por hidroelétricas. A nova tecnologia da biogenética já contribui para o aumento da produtividade de combustíveis líquidos derivados da cana e florestas cultivadas (clones) que serão os combustíveis do futuro. A tendência natural é seguir a via tradicional de produção de combustíveis alternativos em lugar de esperar por “invenções salvadoras”, para cuja descoberta a tecnologia da informação e da eletrônica tem pouco a oferecer.
Se existirem térmicas para “garantia” do atendimento nos períodos secos (tal como 1953 a 1956), as hidroelétricas atuais poderão funcionar à plena potência em todo o período, independente das condições de mercado. Nos períodos noturnos, feriados, domingos e meses de pouca atividade econômica, as hidroelétricas estarão sempre disponíveis para substituição de térmicas. Nos períodos de abundância de chuvas, cargas poderão ser artificialmente criadas para fornecimento de energia àquelas indústrias intensivas em energia, com tarifas reduzidas, segundo plano proposto anteriormente. Repetindo: “Quando houver predominância de térmicas nos países em desenvolvimento, estes poderão afinal ficar livres do critério de risco utilizados pelos planejadores na década de 50: as novas usinas hidroelétricas da Amazônia não precisarão estar condicionadas ao atendimento da carga em qualquer circunstância, como antes, quando o sistema foi exclusivamente hidroelétrico. Estas, bem como as atuais hidroelétricas, não serão mais responsáveis pelo atendimento das solicitações instantâneas da carga, que passará a ser suprida ocasionalmente pelas termoelétricas (de custo fixo mais baixos) que serão maioria. Tambem funcionarão a plena potência em todas as condições de vazão, a qual não precisa ser garantida. A “energia garantida” não precisará ser aquela do “Período Crítico”, mas a máxima que as hidroelétricas puderem produzir, em qualquer condição de vazão, limitada apenas à potência instalada de cada usina. Mesmo que não exista carga, esta poderá ser criada artificialmente para a produção sazonal, a baixo custo, de comodities metálicas de alto valor agregado, intensivas em energia elétrica (eletrólise a quente), tornando assim em instrumento eficaz de planejamento da produção industrial. A excessiva motorização das usinas hidroelétricas atuais, que foi motivo de muitas críticas, como “obra faraônica”, agora por motivo de mudanças históricas, felizmente encontra uma alternativa bastante promissora de utilização (“O Sistema elétrico do Brasil”, janeiro de 2005, do autor). Um bom exemplo de “carga criada artificialmente” pode ser encontrado na idéia inteligente do Governador do Paraná, que oferece tarifas reduzidíssimas para irrigação noturna aos agricultores do estado.
• Até agora, o Etanol brasileiro é a única alternativa viável de combustível substituto do petróleo. A experiência de quase 40 anos, aliada às boas condições de terra e clima, confere ao país a grande vantagem de ter inovado, tanto como fornecedor do produto, quanto da venda de tecnologia. É uma tecnologia exitosa, cuja vantagem compensa explorar Todo capital de pesquisa e produção já foi feito. Cumpre lembrar que o país sofreu muitas restrições no seu desenvolvimento por ter investido pesadamente em Usinas hidroelétricas de grande porte, em prospecção de petróleo e no desenvolvimento do programa do álcool, cujos subsídios custaram sacrifícios enormes a seu povo. Pois bem, hoje, o país tem combustível, seja etanol de cana ou combustível de florestas cultivadas geneticamente; está preparado para receber as novas tecnologias transformadoras da biomassa de florestas em combustível líquido e aproveitamento integral da cana. Tem petróleo e gás para acionar termoelétrica. Portanto, é chegada a hora de colher os frutos desses empreendimentos todos e reparar, de certa forma, os equívocos do passado.

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