sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

O PAPEL DO COMBUSTÍVEL NO FUTURO

HUGO SIQUEIRA


O ingresso na economia de serviços e alta tecnologia vêm diminuindo a importância do transporte dos países industrializados, uma tendência verificada no fim do século que prossegue até os dias de hoje (ver Tabela 1). Até no automóvel, que parecia um grande consumidor, o consumo de combustíveis não cresce por falta de usuários. Milhões de carros são fabricados para ficarem parados no trânsito, nos estacionamentos e garagens, como objeto ornamental. Com mais de um veículo por habitante (2,5 nos Estados Unidos), é impossível ao usuário ocupar mais de um ao mesmo tempo (só se tivesse o dom da ubiqüidade), o consumo depende das viagens. Alem da necessidade de locomoção de pessoas ser naturalmente reduzida numa economia de serviços, acresce o fato de estar acontecendo mudanças de hábito para carros mais econômicos. O transporte pesado tambem perde importância numa economia de bens desmaterializados. Ademais, a distribuição de mercadorias pode contar com a eficiente estrutura herdada do industrialismo.
Os países industrializados podem economizar energia de aquecimento, pois têm condições de adotar tecnologias mais eficientes. Afinal, detendo 70 por cento da energia gasta no mundo todo, tem mais onde cortar. Por mais que economizem energia no usofinal, entretanto, ainda continuam grandes consumidores: consomem mais energia de aquecimento que os países em desenvolvimento consomem em alimentação. Tambem dispõem de capital para bancar nucleares mais caras, no caso mais extremo. Ao contrário, os países em desenvolvimento, vão ter de produzir os seus próprios combustíveis e, sobretudo, os alimentos (grãos) para alguns países industrializados e emergentes.
As mudanças profundas no modo de produzir dos países industrializados foram abordadas por vários autores ao longo da década de 70, do último século: José Goldemberg e outros em “Energia para o desenvolvimento” de 1988; Alvin Toffler em “A Terceira Onda” de 1980. No livro recente “O Mundo é Plano”, de 2007, Thomas L. Friedman descreve, com riqueza de detalhes, como está ocorrendo o processo globalização no mundo todo.
Os países em desenvolvimento e os industrializados estão descasados no que concerne ao seu desenvolvimento industrial. Nestes, o mundo já presenciou o desacoplamento do consumo de energia e atividade econômica: O PNB cresce e o consumo per cápita de energia diminui como mostra a tabela 1.
Países industrializados e países em desenvolvimento estão descompassados no que concerne ao desenvolvimento industrial. Nos países industrializados, a maior parte das inovações está ocorrendo nas áreas de eletrônica, tecnologia da informação, comunicações e outros campos de alta tecnologia. A demanda mudou de produtos intensivos em materiais para aqueles caracterizados por elevada relação entre valor agregado e conteúdo de material. A estagnação na demanda de materiais básicos tem criado um clima desfavorável nas indústrias a eles relacionadas, apesar dos aumentos do preço da energia na última década terem tornado obsoletos muitos investimentos nestas indústrias. Assim, em indústrias de importância crucial para estabelecimento de uma infra-estrutura o ritmo de inovação no Norte não é suficientemente rápido para satisfazer as necessidades do Sul. O rápido crescimento potencial da demanda de materiais básicos no Sul sugere tambem que alguns países podem oferecer melhores condições para inovações do que os países do Norte.
Muitas das tecnologias industriais, atualmente comercializadas no Norte, são intensivas em capital que não se ajustam aos países do Sul. As vantagens relativas de recursos naturais são muito diferentes. Países em desenvolvimento têm a fortuna de possuir recursos hidroelétricos inexplorados de custo baixo, enquanto os países industrializados têm de fazer uso da energia térmica – mais dispendiosa – para aumentar a capacidade elétrica. A biomassa é uma fonte promissora de combustíveis químicos para muitos países em desenvolvimento, requerendo tecnologias descentralizadas de desenvolvimento muito diferente das estratégias centralizadas de países ricos em combustível fóssil (José Goldemberg). Indústrias que utilizam calor de processo são proibitivas no Norte. A nova tecnologia da biogenética favorece o cultivo de florestas artificiais nos países tropicais produzindo ganhos de produtividade na siderurgia e indústria cerâmica e de refratários. O bagaço da cana pode ser queimado em cerâmicas.

FONTES X DEMANDAS

Vejamos quais seriam as escolhas no sentido de adequar as fontes de suprimento às demandas de cada país no futuro. É claro que os países industrializados utilizarão combustíveis para aquecimento direto preferivelmente as termoelétricas e hidroelétricas tendo em vista a sua demanda concentrada principalmente no aquecimento em 58%.
Tambem é claro que países em desenvolvimento utilizarão energia elétrica (hidroelétricas e termoelétricas) para acionamento industrial considerando que a demanda de acionamento corresponde a 50%. Nos países em desenvolvimento que têm potenciais hidroelétricos ainda inexplorados (Brasil, China) a energia elétrica é usada adequadamente, conquanto os potenciais disponíveis sejam pequenos, mas suficientes para atender a demanda de seus próprios países por décadas (da ordem de 700 GW).
“A energia hidroelétrica e a biomassa, promissora fonte de energia renovável responderam pela metade da energia primária usada nos países em desenvolvimento em 1980. Contudo, as fontes renováveis poderiam dar apenas contribuições relativamente limitadas para o suprimento de energia requerida pelo mundo todo. Apesar de os países em desenvolvimento terem explorado só sete por cento de seus recursos hidroelétricos, o potencial econômico total desses recursos é de apenas 700 GW”. (José Goldemberg e outros).
O transporte pesado requer combustível em todos os países, industrializados ou não. Mas, a demanda no futuro será diferente para cada tipo de país. Nos países industrializados a demanda é decrescente, enquanto nos países em desenvolvimento tende a aumentar (inclusive automóveis). Com a população estabilizada e o consumo per cápita de energia em declínio, países industrializados não são mais os responsáveis pelo aumento da demanda de energia como mostra a tabela 1.

O transporte pesado perde importância, numa economia desmaterializada, baseada em serviços e o consumo de automóveis é decrescente por ter atingido o nível de saturação física, com mais de um automóvel por habitante. Todo aumento populacional ocorrendo nos países em desenvolvimento estes é que serão os grandes consumidores de combustível para a produção e transporte de alimentos, porque são os que mais crescem.
Combustível líquido (da cana e madeira) substitui gasolina. É útil para países em desenvolvimento, cujo consumo em automóveis cresce. Mas, não substitui diesel e óleo combustível. Não resolve o problema dos Países industrializados, mas libera gasolina para aquecimento e para o transporte por caminhões leves na distribuição, que desafogam o trânsito nas grandes cidades. As recentes aplicações de outras formas de energia para acionamento de veículos (carros elétricos) têm pouco significado para países industrializados: apenas trocam várias fontes ineficientes descentralizadas (o motor do automóvel) por uma única fonte centralizada, igualmente ineficiente (termoelétrica). Basta lembrar que hidrogênio e termoelétricas gastam tambem combustível. Mas, beneficiam enormemente os países em desenvolvimento que dispõem de hidroelétricas e do etanol.


COMBUSTÍVEL PARA AQUECIMENTO

O combustível é especialmente valioso porque é a forma mais eficaz de produzir aquecimento, adequado ao perfil do consumo dos países industrializados que está concentrado na demanda por combustíveis para aquecimento e transporte. Estes utilizam fundamentalmente o petróleo, mas poderiam utilizar etanol produzido nos países tropicais a preços concorrentes. Gerar calor por meio de usinas termoelétricas, inclusive nucleares, é um desperdício como mostra a figura 1. Mas, nada impede que venha a ser utilizada, como recurso extremo, apenas terá custos maiores.

Crescimento per cápita do consumo de energia e PNB em %
OCDE EE.UU JAPÃO
Energia -6 -12 -6
PNB 21 17 46
Tabela 1 - Crescimento do consumo de energia e PNB per cápita nos países industrializados no período 1973 a 1985.

Nenhum comentário:

Postar um comentário